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A Menina Estrangeira
A Menina Estrangeira

               A menina nova da turma chama-se Salima. Não é uma menina calada e tímida, como a Gabriela. Salima faz o que poder para se destacar em todo lado. Fala mais alto do que os seus amigos, usa roupas com cores mais garridas e não deixa que lhe preguem partidas.

                Por isso, as crianças gostam muito de a chatear. Diverte-as ao vê-la enfurecida. Gozam com ela por ter cabelos encaracolados, das narinas serem grandes e da sua pele escura. Salima é africana. Fala bem português, porque veio para Portugal com os pais quando ainda era bebé.

                Gabriela gosta de tudo em Salima, desde da cor da sua pele, dos seus olhos grandes e da sua voz. Quando Salima está feliz, ri-se com o corpo todo. Quando está zangada, parece um vulcão a vociferar.

                Gabriela emprestou logo o seu caderno à menina nova, para ela copiar a matéria. Com ela, Salima nunca é atrevida e rude. Quando a deixam em paz, ela é igual aos outros meninos. Mal a menina estrangeira chegou à turma, começaram logo a implicar:

                - Uma preta! – disse a Deolinda bastante alto. – Está sentada ao lado da Gabriela é a sua melhor amiga!

                - É negra! – disse o Jorge com os olhos arregalados.

                - A cozinheira negra já cá está… já, já… - gozou Ivan.

                A pior colega é a Deolinda, está sempre a maltratar a menina estrangeira. A culpa é da mãe, porque está sempre a dizer-lhe para não levar a “preta” lá a casa. Mesmo não a conhecendo, não gosta dela.

                - Não é de cá – diz a mãe da Deolinda – Vê-se à distância de cinco metros que não é igual a nós.

                Gabriela não percebe: “Isso não é motivo para não se gostar de alguém”, pensa “ Até é feio excluir-se uma pessoa, só porque o seu aspeto não é igual ao nosso.”

                Gabriela sabe perfeitamente o que não é pertencer ao grupo, porque também já foi nova na turma e não foi assim há muito tempo. Quando era nova na turma, gozavam com ela por ter dentes grandes e um nariz demasiado comprido. O nome que lhe deram foi “Peixe-espada”. Precisou de um ano para conseguir aguentar, sem chorar, por causa da troça deles.

                Mesmo assim, foi-lhe mais fácil passar por aquilo tudo do que está a ser para Salima, porque Gabriela é branca. Salima nunca iria conseguir esconder a sua pele escura.

                Gabriela gostava de dizer aos seus colegas que a menina estrangeira era só atrevida porque tem de estar sempre a defender-se. Porque é que não a deixam em paz? Só que Gabriela tem medo de demonstrar aos outros colegas que é amiga da menina estrangeira. Pois não gostaria de voltar a ter a maioria da turma contra ela, como dantes.

                “Tenho de arranjar uma maneira de mostrar a Salima que estou do lado dela”, pensou a Gabriela “E que gosto dela.”

                No final das aulas, depois de todos saírem, Gabriela atrasa-se de propósito para estar com Salima. De repente cai-lhe o estojo das mãos e abriu-se, de lá de dentro saiu os lápis de cor, uma borracha e um pedaço de chocolate já mordido.

                - Eu ajudo-te! – oferece-se a Gabriela.

                Deitadas de barriga para baixo, tentam apanhar o material escolar e o chocolate. Ao tentarem apanhar o mesmo lápis, as duas chocam com a testa uma na outra debaixo da carteira.

                - Ai! Ui! – exclamam em coro, esfregando as testas magoadas. E desatam a rir.

                Salima diz de repente:

                - Tu és simpática, mas os outros…

                Salima sai debaixo da mesa, mas fica sentada no chão.

                - Sabes – diz, apontando para a sala vazia – se não lhes fizer frente, eles acabam comigo. Aprendi isto quando era pequena. Desde que vim para aqui morar, algumas pessoas comportam-se de forma estúpida só porque tenho a pele escura. – ela levanta-se e mantém-se direita – Mas de mim não conseguem nada!

                Parecia que Salima ia desatar a chorar, mas não. Gabriela admira a menina estrangeira por ter coragem e não se esconder como ela. Salima é um pouco como um ouriço-cacheiro. Mal sente o perigo, fica logo os picos eriçados. Ela até é bem-disposta e gosta muito de se rir. A maior parte dos colegas não se deu sequer ao trabalho de tentar compreender a nova colega. Pensam que a podem ofender. Ela aguenta muita coisa.

                É sempre Deolinda que desafia a menina negra e que provoca os outros. Como neste preciso momento. Deolinda faz pontaria com a borracha e manda-a contra às costas de Salima. A borracha faz ricochete e salta de novo para a mesa. E repete essa brincadeira quatro ou cinco vezes. Alguns riem.

                - Estúpida! – grita a Salima, que já começa a ficar farta.

                - Acalma-te – diz o Paulo zangado, e ele não tem nada a ver com o assunto.

                - Deixa-a em paz! – mete-se a Alexandra, que está sentada ao lado de Salima.

                “ Tenho mesmo que fazer alguma coisa”, pensa a Gabriela “Tenho que lhe provar que sou amiga dela.”

                Então, Gabriela decidiu começar a deitar-se na varanda todas as tardes depois da escola, para ficar mais escura como a Salima. Uma hora inteira até ficar cor de chocolate. Assim, Salima deixaria de ser a única na turma com a pele escura.

                No verão a mãe de Gabriela está sempre a dizer:

                - Pareces uma preta!

                Assim, se fizesse sempre aquilo todas as tardes tornar-se-ia negra.

                - Que estupidez – diz em voz alta, afastando aquela ideia – uma pessoa não se torna negra só por ficar umas horas ao sol, ou com o nariz largo, nem com os lábios grossos. É preciso muito mais. Principalmente, ter um pai ou uma mãe que sejam negros.

                Gabi continua a magicar. Tem os cotovelos fincados na mesa e a cara apoiada nas mãos. Nem repara no que se está a passar à sua volta, tem o olhar fixado no casaco da Salima. De repente, um bico de lápis desliza para frente, que pertence ao lápis da Deolinda.

                - O que estás a fazer? – pergunta a Gabriela desviando com um toque a Deolinda.

                - Deixa-me! – resmunga.

                Deolinda segura no lápis afiado de forma a apontar a mina à cabeça de Salima. Estica o braço e quase lhe toca.

                - Será que ela sente? – segreda a Deolinda.

                - Para com isso!

                Mas á muito que ela quer saber como é um cabelo daqueles, se é rijo ou se é mole. Estica o braço um pouco mais para a frente. Alguns observam a brincadeira. De repente, Salima começa a balançar-se na cadeira e Deolinda acerta-lhe com o bico do lápis. E então, Salima dá um grito. Com a mão direita à cabeça, Salima dá uma volta sobre si mesma e com a mão esquerda dá uma bofetada na Deolinda.

                - Estás doida! – grita a Deolinda – Não te fiz nada!

                - Picaste-me!

                - Não picou nada! – confirma a Maria, que nem sequer tinha prestado atenção ao que acontecera.

                E começou uma discussão.

                - Vais pagar pela bofetada! – ameaça a Deolinda.

                Salima levanta-se e corre para a porta, com a mão ainda na cabeça. Sobre a mão escorre um pouco de sangue. Antes de sair, para de repente e vira-se para a turma, que a olham com curiosidade. A menina estrangeira chora em silêncio. Fica por uns momentos parada, sem se mexer. Depois fecha a porta com estrondo. Salima agora chora, como qualquer outra criança.

                Gabriela parece que está pregada à mesa. Porque é que não se levanta? Porque é que não vai ter com Salima? Era agora que Salima precisava mais dela.

                “Vocês são maus!”, queria gritar, mas não conseguia.

                - Vocês são maus! – grita o Mickael – Ela não vos fez nada. Se fosse comigo, tinhas apanhado ainda mais, Deolinda.

                “Agora que Salima não está cá, é que ele diz isto”, pensa a Gabriela.

                De repente começam a falar todos ao mesmo tempo.

                - Ela não tem culpa de ser preta – diz a Alexandra – Imaginem que são o único branco numa turma de pretos. Gostavam que eles gozassem convosco?

                - Ela pode não ter culpa de ser preta – diz o Ivan – mas no meu pão de queijo nunca a deixaria trincar.

                - A ti é que ninguém deixava trincá-lo, com essas borbulhas – grita o Martim.

                Há pouco, quando Salima estava a chorar à porta, Gabriela tinha tido uma oportunidade de demonstrar que achava horrível o que lhe estavam a fazer. Especialmente a Deolinda. Em vez disso, ficou ali parada e não foi capaz de a defender. Pois tinha medo de voltar a ser maltratada pela turma. Mesmo assim, Gabriela diz, muito baixinho:

                - A Salima é querida. Porque é que és tão antipática com ela?

                Deolinda conseguiu ouvir.

                - Muito querida, – diz com um ar arrogante – mas cheira mal!

                - Que parvoíce! – grita o Mickael, que só ouviu as últimas palavras – Já alguma vez estiveste sentada ao lado do Marco? Ele cheira tão mal!

                Por acaso, hoje o Marco não tinha vindo à escola. Por isso, a ofensa não o ia magoar, se estivesse presente ninguém teria feito aquele comentário. Mas à menina estrangeira diz-se-lhe tudo na cara.

                Deolinda cala-se. A cara ainda está vermelha da bofetada. E começa outra vez a protestar:

                - Anda vestida como uma arara, só lhe faltam as penas.

                Risos abafados.

                - Cala a boca de uma vez por todas! – diz a Gabriela, agora em voz alta – Acabou! Já chega! – grita ainda mais alto e tapa os ouvidos ao mesmo tempo. Ninguém repara que a porta da sala abre.

                Quando Salima entra e dirige-se para o seu lugar em cinema, todos se calam de repente. Não olha para ninguém e tem um grande penso na cabeça. Gabriela levanta-se antes de Salima se sentar. Vai ter com Salima e em frente de toda a turma, põe-lhe carinhosamente o braço à volta dos ombros.

                - Lamentamos todos – diz a Gabriela em voz alta, para que todos ouçam, especialmente a Deolinda. Salima não diz nada.

                Agora levanta-se a Alexandra, o Mickael, o Ivan, o Martim e também o Paulo. O pequeno grupo mete-se à volta de Deolinda.

                - Não fiz de propósito! – diz esta baixinho.

                - Dói muito? – pergunta a Gabriela.

                - Agora já não – diz a Salima, com um grande sorriso.